Pode-se dizer que há uma dicotomia, que
seria falar a verdade, ou seja, descrever de forma coerente fatos
acontecimentos comportamentos ou contar mentira, que seria apresentar
uma afirmação pouco adequada ou incompatível com o que, de fato,
ocorreu. Tanto falar a verdade quanto contar uma mentira, são
comportamentos verbais aprendidos e mantidos pelas consequências que
produzem, em primeiro lugar, para aquele que fala. Assim, se alguém é
beneficiado por contar uma mentira, tal comportamento pode ser
aprendido. Se mentir mais vezes trouxer “vantagens”, ele será mantido em
alta frequência. É importante, ainda, considerar que o comportamento de
mentir pode afastar ou adiar consequências desagradáveis, como no
exemplo do marido infiel que insiste em dizer à sua mulher que não
cometeu traição. Assim sendo, mentir também seria aprendido e mantido.
Mentir é um comportamento que se aprende , ninguém nasce mentiroso.
As crianças mentem com frequência para
seus pais quando estes costumam repreendê-las pelo que fazem, quando
punem deliberadamente seus relatos sobre o que consideram ser errado ou
quando limitam muito as possibilidades sobre o que as crianças podem
fazer. Então, elas mentiriam para ter a oportunidade de brincar com um
coleguinha que não é benquisto pela sua família, mentiriam sobre ter
realizado a tarefa de casa para assistir ao seu desenho favorito.
É necessário diferenciar o comportamento
de mentir enquanto relato em desacordo com acontecimentos/ fatos do
relato impreciso sobre algo pela falta de habilidade em descrever. Na
mentira, uma pessoa tem consciência de que (sabe que) sua descrição não é
coerente com o que fez. Por outro lado, uma secretária pode relatar
(incoerentemente) ao chefe que entrou na primeira sala à direita do
corredor da empresa e não atendeu à solicitação dele porque a sala
estava fechada. Ela apresenta este relato (que não é verdadeiro) por não
ter aprendido a diferença entre esquerda e direita.
Você quer que seus filhos digam a verdade?
Os psicoterapeutas procuram ter, na
relação com seus clientes, uma audiência não punitiva. Isso significa
ouvir e não julgar, ouvir e não criticar, ouvir e não punir. Tal
contexto é que torna possível o relato do cliente sobre coisas que não
seriam ditas nem para os bons amigos.
Como foi afirmado anteriormente, pode-se
mentir para ter acesso a alguma vantagem ou evitar “mal maior”. Assim
sendo, as pessoas têm maior probabilidade de dizer a verdade diante de
contextos em que o que elas dizem não é julgado, não é criticado, nem
punido. Se um pai pune o filho quando ele relata que assistiu TV quando
deveria estudar, é importante observar que ele puniu o comportamento do
filho ter feito o que não devia, mas, puniu principalmente o
comportamento de dizer a verdade.
Pense, após ter sido punido por dizer a
verdade, você a diria novamente?
É claro que nem sempre se pode aceitar a
verdade sem que algum tipo de sanção seja administrada.
Mas, se todo
relato de alguém sobre o que fez ou como agiu diante de uma situação
passa a ser criticado, julgado ou o relato passa a ser motivo para uma
discussão, é provável que esse relato não ocorra mais ou que passe a ser
um relato que apresente algo diferente do que ocorreu. Isso vale para
qualquer relação interpessoal. Um amigo continuará dizendo a verdade
sobre o que pensa sobre você se ele sentir-se ouvido. Por isso, dar
espaço para as pessoas dizerem o que pensam, relatarem o que fizeram é
um bom caminho seja para um pai ou uma esposa continuar ouvindo a
verdade.
Outra forma de aumentar a probabilidade
do dizer a verdade em crianças ou adultos é valorizar, enaltecer e
gratificar os momentos em que a verdade é dita. No caso das crianças,
pode-se ensiná-las a dizer a verdade, expondo-as a algumas situações em
que sejam acompanhadas e solicitando que elas relatem o que experimentaram. Elogiar, enaltecer e gratificar relatos mais próximos da
experiência estabelece condição para a aprendizagem do “dizer a
verdade”.
Referências:
Beckert, M. E. (2004). Correspondência
verbal/não-verbal: Pesquisa básica e aplicações na clínica. Em J.
Abreu-Rodrigues e M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento:
pesquisa, teoria e aplicação (pp.229-244). Porto Alegre: Artmed.